quinta-feira, 25 de julho de 2013

Quem Procura, Acha!!!


Bisbilhotar os SMS, E-mail e Carteira é violação da Intimidade?
Por: Clever Jatobá[1]

O ciúme é por muitos concebido como uma das expressões do amor (sic), pois só sente ciúme aquele que gosta. Diz o provérbio popular que “o ciúme apimenta o relacionamento”. Ocorre, porém, vale alertar que pimenta demais faz mal à saúde do relacionamento.
Bem, tratando-se de um sentimento humano, o ciúme é algo natural, pois toda e qualquer pessoa pode senti-lo. Ocorre, porém, que quando o mesmo rouba a cena e transcende ao tênue limite do razoável, pode implicar em graves violações aos direitos e até causar danos irreversíveis às pessoas que integram o relacionamento, ou até desaguar em lamentáveis episódios criminais. Isso mesmo, só para que se tenha ideia, crimes passionais normalmente são fomentados pelo ciúme doentio.
Mas, como identificar se o ciúme é ou não doentio? Não se tem um limite pré-determinado. Os limites são tênues... assim, o autocontrole é indispensável para não deixar este mal transcender à razoabilidade, cegar pela irracionalidade aquele que o sente de modo a atingir e vitimar as pessoas de quem se quer bem.
Sempre enxerguei o “ciúme” como uma prova de insegurança que demonstra a fragilidade do relacionamento e que ocasiona situações constrangedoras, que sob uma observação racional, alguns acontecimentos chegam a ser patéticos e até hilários, quando não trágicos.   Os episódios de ciúme integram a “comédia da vida privada”. Senão, vejamos:
Sabe aquele casal que briga ao assistir Tv ou filme de cinema com ciúmes dos artistas? Pois é...
Conheço um caso em que a garota tinha ciúmes dos outdoors de cerveja, pois sempre tinham mulheres bonitas. Ou do rapaz que por ciúmes do Tom Cruise não deixou a namorada assistir ao filme “Missão Impossível”.
Pior era o caso da namorada que ligava para o namorado e, em vez do tradicional “alô”, já começava o diálogo com o “Tá aonde?” daí o namorado dizia “Estou no carro, querida”. Então a namorada disparava: “buzine aí!!!”. É amigos, pior do que a neurose da namorada, é fato de que o rapaz buzinava... Imagine que deste jeito, quando ele estiver ao banheiro, vai precisar dar descarga para comprovar sua localização.
Só que tem pessoas que não gostam de demonstrar a neurose do relacionamento, mas, motivadas pelo ciúme, decidem fiscalizar de perto o seu parceiro. Daí, decidem fuçar a carteira ou bolsa do outro, xeretar as mensagens e agenda do celular, ou bisbilhotar os bolsos das roupas, cheirar as peças íntimas do outro. Pior que isso são aqueles que querem invadir (ou compartilhar) a conta de e-mail, ou a rede social do seu parceiro.
Pois é, tal situação é muito comum, mais do que se imagina. Conforme noticiou o YAHOO por meio da matéria da Carol Patrocínio[2], "Uma pesquisa feita pela AVG Technologies, aquela empresa de segurança de computadores, mostra que 54% das mulheres brasileiras admitem ler SMS e e-mails dos maridos ou namorados sem sua autorização prévia". Ao bem da verdade, este não é um hábito exclusivo das mulheres, mas a pesquisa realizada foi focada nos hábitos femininos.
Bem, mais o que será que tal situação pode ser abordada pelo aspecto jurídico? Pois é... pode sim...
Na verdade, tais episódios violam a intimidade do parceiro, que integra a noção de “vida privada”, qual está protegida pelo inciso X do Art. 5º da Constituição Federal Brasileira, e regulada pelo artigo 21 do Código Civil Brasileiro[3], que o concebe como um direito inviolável.
O direito à vida privada garante proteção à individualidade, de modo a preservar a pessoa em seu espaço pessoal, sem permitir a intromissão de terceiros, ou a exposição pública de informações, fatos e acontecimentos pessoais que apenas lhe diga respeito.
Na doutrina[4], sustenta-se que o direito à vida privada é gênero que agrega duas espécies, quais sejam, o direito à intimidade e o direito ao segredo.
Normalmente se confunde intimidade com privacidade. Mas, há que se distinguir uma da outra. Ao tempo em que privacidade é familiar, conjugal, de casal, ou seja, engloba mais de uma pessoa, a intimidade é algo unipessoal, ou seja, diz respeito apenas ao seu titular, de modo a preservá-lo de todos, inclusive de seus familiares ou aqueles com quem conviva.
Em outras palavras por ser a intimidade um direito personalíssimo, de foro íntimo, é algo tão pessoal, que garante sua preservação até do seu parceiro, familiares ou qualquer um que integre sua privacidade (familiar). Trata-se daquele direito à reserva pessoal, aos valores, fatos, sentimentos, opiniões, comportamentos que são tão íntimos que só diz respeito à própria pessoa.
Assim, quando alguém que não tenha permissão, autorização ou anuência expressa do titular decide invadir tal esfera íntima da pessoa, independentemente do seu vínculo pessoal, de parentesco, amizade ou afetivo, estará violando seu direito da personalidade, desrespeitando sua intimidade e ofendendo a própria dignidade humana da vítima.
 
Conforme lição de Maria Helena Diniz[5],
A intimidade é a zona espiritual íntima e reservada de uma pessoa, constituindo um direito da personalidade, logo o autor da intrusão arbitrária à intimidade alheia deverá pagar uma indenização pecuniária, fixada pelo órgão judicante de acordo com as circunstâncias, para reparar o dano moral ou patrimonial que causou.
Assim, é possível se opor à namorada(o), à esposa (marido), companheira(o), “ficante” ou “peguete” que, motivada(o) pelo ciúme e numa postura de controle e fiscalização da vida alheia abusa dos limites do seu direito ao convívio privado e, de forma arbitrária e não autorizada, invade a esfera íntima do seu parceiro, desrespeitando-o e vitimando sua própria dignidade.
Sob outro prisma, xeretar as coisas dos outros pode ser algo ruim para ambas as partes e pode ocasionar danos à relação maiores do que possam ser cogitados na esfera jurídica. Assim, conforme orienta, com grande lucidez, a Carol Patrocínio[6]:
Certas frases e conversas só fazem sentido em determinados contextos. Se você não sabe qual é esse contexto e está procurando pelo em ovo, pode ter certeza que vai achar significados que não existem, vai arrumar briga por motivos desnecessários ou sofrer em silêncio enquanto poderia estar fazendo algo realmente útil para você. Importe-se com seus passos e não com os passos do outro. Não é uma tarefa fácil, mas deixa sua vida muito mais feliz.
  
Bem, diante deste panorama, cabe-nos dar dois conselhos, um a cada lado da situação: Para quem gosta de xeretar as coisas do outro: cuidado, pois uma eventual exposição decorrente do impulso momentâneo pode acarretar a imposição de indenização pelos danos suportados, ademais, vale atentar ao provérbio popular que prenuncia que “quem procura, acha”.
Para aqueles que numa invasão desta natureza seja pego em uma situação que lhe deixe de “saia justa”, pode se defender sob o argumento de que, diante da ilicitude da violação ao seu direito personalíssimo, “prova obtida por meio ilícito” é algo inadmissível e não pode ser usado contra si (Rsrsrs).



[1] Clever Jatobá é Advogado e Consultor Jurídico. Professor e Coordenador do Curso de Direito da Faculdade APOIO UNIFASS. Traz no seu currículo Pós Graduação lato sensu em Direito do Estado e em Direito Civil e do Consumidor. Atualmente é Mestrando em Família na Sociedade Contemporânea pela Universidade Católica do Salvador (UCSal), além de ser Aluno do Doutorado em Direito Civil na Universidad de Buenos Aires (UBA) na Argentina. É membro do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família.



[3] Art. 21 do Código Civil Brasileiro: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.



[4] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Parte Geral e LINDB. Vol. 1. Salvador: Juspodivm, 2012. p.249.


[5] DINIZ, Maria Helena Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria Geral do Direito Civil. V.1. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, 135.
[6] Matéria do Yahoo a qual fizemos referência anteriormente. 
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Conheçam também os BLOGS:
Blog de Direito da Faculdade Apoio Unifass:
Blog Gosto Musical:

2 comentários:

  1. Ótimo texto. Parabéns. Dando um pitaco jurídico: a prova ilícita já tem entendimentos mitigadores sobre sua aceitação pelo STF, em dadas situações logo.. melhor é não precisar deste estratagema e persistir no "quem não deve, não teme"! ;) rssssss

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  2. Curti o texto...
    Parabéns mestre..texto bacana e descomplicado de um tema jurídico tão relevante.

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